quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Padre pedófilo é condenado por abusar de coroinha e cumpre pena em Alexânia




Religioso condenado por abusar sexualmente de coroinha de 10 anos cumpre pena em Alexânia (GO) sob os cuidados dos antigos fiéis. Enquanto isso, a vítima e os familiares moram na periferia do DF, esquecidos pelo Estado e pela Igreja


          Local do crime: a Igreja do Imaculado Coração de Maria, em Alexânia, serviu de palco para a violência sexual



Aos 70 anos, o padre Edson Alves dos Santos cumpre pena em uma pequena chácara anexa à precária e vulnerável cadeia de Alexânia. O pároco deixou o altar da catedral da cidade goiana de 23 mil habitantes após laudos e testemunhas provarem que ele era um pedófilo. O religioso acabou condenado por abusar sexualmente de um menino de 10 anos. Recorreu a todas as instâncias. Conseguiu reduzir a punição, mas não a absolvição, pelo menos da Justiça. Com a prisão decretada, fugiu. Ganhou abrigo na casa de um dos frequentadores da igreja. Depois de se entregar, não usou algemas nem ficou atrás de grades. Sob a alegação da idade e de uma diabetes, vive sem escolta ou trabalho, em um lote com sete alojamentos, mas nenhum outro detento, recebendo visita e comida de beatas.

Os responsáveis pela cadeia alegam cumprir uma decisão judicial, para garantir a saúde e a integridade física do ainda padre. No universo bandido, o religioso é um estuprador como outro qualquer. Entre os 43 presos do município distante 95km de Brasília, que passam o dia trancafiados em celas de verdade, imundas e escuras, muitos pedem a cabeça (literalmente) dele. Ameaçam matá-lo na primeira oportunidade.

Fora do presídio, o pároco tem o perdão dos antigos seguidores. Muitos duvidam das provas levantadas pela polícia, pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público de Goiás, aceitas pela Justiça goiana. Acusam as vítimas de armação, sem explicar qual seria a vantagem obtida pelos coroinhas que dizem ter sido abusados. E colhem assinaturas para pedir a prisão domiciliar do pedófilo.

Após o surgimento da primeira denúncia contra o padre Edson, feita em 2005 por um menino de 10 anos, outros três coroinhas afirmaram terem sido molestados pelo religioso, no interior da catedral da cidade e na casa paroquial. Esses três casos continuam em aberto. Os investigadores alegam dificuldades em obter provas por causa da resistência das vítimas e das testemunhas.

Assim como o garoto de 10 anos, todos deixaram Alexânia com os familiares, depois de as suspeitas ganharem publicidade. Eles passaram a ser malquistos por frequentadores da igreja comandada por Edson e viraram alvo de gozação dos vizinhos, de colegas de escola e de outros moradores. Pobres, sem qualquer apoio do Estado e da Igreja, tentam retomar as vidas no anonimato, em cidades distintas, bem longe de Alexânia.

Sonho de avó

As histórias de abuso sexual atribuídas ao padre Edson tiveram início em 2005, quando ele completava duas décadas à frente da Igreja do Imaculado Coração de Maria, catedral de Alexânia. As suas missas chegavam a durar três horas. Nos sermões, condenava o sexo antes do casamento, o divórcio (em qualquer hipótese), um novo matrimônio após a separação e o uso de preservativos.

Quem o contrariasse era proibido de frequentar o templo, assim como mulheres com decote e saia, além de crianças que não suportassem assistir a uma celebração caladas. Tinha uma multidão de admiradores. Entre eles uma professora de catequese havia 20 anos, organizadora do Encontro de Casais com Cristo e militante de movimentos como a Legião de Maria e a Renovação Carismática. Ela é avó do menino abusado pelo padre.

Contrariando a filha, mãe do garoto, a avó insistiu para que ele virasse coroinha. Acreditava ser a solução para o mau rendimento escolar do menino bonito, tímido, que começava a questionar o paradeiro do pai. Ausente desde o nascimento do filho, o homem nunca o visitou. Morava com outra família. Aos 64 anos, a beata viu realizado um dos seus sonhos. Na missa de 27 de março de 2005, chorou ao ver o neto subir ao altar da paróquia do Imaculado Coração de Maria para ser consagrado.

Cinco meses depois, a “dádiva” virou pesadelo. A mãe do menino e de outras duas crianças, uma diarista casada com um pedreiro, desconfiou ao ver o coroinha com dinheiro em casa. Ele disse ter recebido do padre. Ela o xingou, pensando ser fruto de furto das doações dos fiéis. Mas o garoto negou e explicou tudo em detalhes.

Na frente da mãe e da avó, o coroinha começou o relato: “O padre faz comigo igual o homem faz com a mulher”. Incrédula, ela mandou o neto se calar, mas ele continuou. “Ele tira a minha roupa, levanta a batina, me coloca no colo, fala para eu ficar tranquilo e diz que aquilo é a prática da penetração.”

A avó caiu em prantos. A mãe pegou o filho pelo braço e, a pé, o levou ao hospital municipal. Pediu para o médico fazer um exame de corpo de delito. O profissional ponderou que só poderia fazer o procedimento a pedido da polícia. Então, ela pediu ajuda à delegada da cidade, Silvana Nunes Ferreira, que logo chegou, acompanhada de uma escrivã. O exame confirmou a violação do menino. Havia sinais claros de que ele havia sido abusado várias vezes.

Segredo de Deus

Para não restarem dúvidas, no mesmo dia, policiais civis levaram o coroinha ao Instituto Médico-Legal (IML) de Goiânia, a 140km de Alexânia. Um exame mais elaborado confirmou a violência. Como relatou o menino à mãe, à avó, a conselheiros tutelares, a policiais civis, a psicólogos, a um promotor e a uma juíza — sempre com os mesmos detalhes, a mesma versão —, o padre Edson abusava dele na igreja e na casa paroquial, onde dormiam juntos. O pároco, como consta no inquérito e no processo, obrigava o garoto a praticar sexo oral e anal sob o discurso de que aquilo era um segredo entre os dois e Deus. Logo, o caso tomou conta da cidade. Os mais fervorosos fiéis se revoltaram. Acusaram a família de oportunismo. Diziam que queriam arrancar dinheiro da Igreja, apesar de nunca terem pedido nenhum centavo.

No entanto, à voz dos acusadores havia se juntado a de um seminarista, então com 18 anos. Ex-coroinha do padre Edson, ele procurou a família denunciante e confidenciou também ter sido vítima do assédio do sacerdote. O envolvimento sexual teria durado dois anos, entre 2003 e 2005. Outros dois coroinhas fizeram, na polícia, relatos semelhantes. Eles e o seminarista viraram testemunhas de acusação. Em meio às denúncias, o padre Edson continuou celebrando missas, mas em capelas na área rural de Alexânia. Durante os sermões, dizia ser vítima de uma armação do coroinha mais velho, que teria ficado indignado por ter sido afastado da paróquia por “desvios sexuais”. O rapaz era homossexual, segundo o sacerdote, algo condenado pela Igreja Católica.

Com base nas provas materiais e nos testemunhos, a juíza Adriana Caldas Santos condenou o padre Edson a 10 anos e oito meses de cadeia, em regime fechado, por atentando violento ao pudor (leia O que diz a lei). A sentença foi publicada em 8 de novembro de 2007. O religioso recorreu em liberdade, alegando cerceamento de defesa. A juíza não acolheu o argumento. Afirmou que sempre esteve assegurado no processo o direito à ampla defesa e ao contraditório. Também afirmou que a denúncia estava formalmente correta e “descreveu com clareza a conduta imputada a acusado e suas circunstâncias”.

A magistrada destacou ainda que o garoto identificou com “absoluta precisão” o local dos fatos, as características físicas do réu, inclusive das partes íntimas, além da forma como o padre o convencia a praticar “os atos libidinosos”.

Sem exposição

Em segunda instância, o sacerdote obteve a única vitória judicial. Não o perdão completo, mas, chamando a atenção para a idade e os supostos problemas de saúde, conseguiu reduzir a pena para sete anos e sete meses de reclusão, em 17 de março de 2009. No entanto, a juíza Adriana Santos mandou prendê-lo após deixar o hospital. O padre havia sido internado em Anápolis (GO) — a 65km de Alexânia — com quadro de hipertensão dias antes da decisão de segunda instância. Teve alta em 23 de março. Do hospital, seguiu para o presídio de Anápolis, sem algemas e no banco dianteiro de um carro descaracterizado da polícia. Nunca foi exposto à imprensa — como ocorre com qualquer pedófilo — nem ficou em cela comum. Acabou libertado em dois meses, graças a uma liminar.

Nesse período, os advogados do sacerdote entraram com dois recursos, um no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outro no Supremo Tribunal Federal (STF). Perderam ambos e, em 10 de maio de 2010, a sentença transitou em julgado. A Justiça, então, determinou a prisão imediata do religioso, que passou a ser considerado foragido. Em 11 de março, às vésperas de completar 70 anos, o padre decidiu apresentar-se espontaneamente.

Policiais civis descobriram que ele havia se escondido em fazendas de fiéis, na região de Olhos D’Água, comunidade rural de Alexânia. Desde então, Edson está afastado das atividades paroquiais, mas não deixou de ser padre. Ainda não usou algemas nem esteve atrás de grades ou nos fundos de um carro de polícia, muito menos chegou a ser exposto à imprensa.

No anexo da cadeia de Alexânia, espaço que deveria abrigar somente condenados no regime semiaberto, o sacerdote circula livremente. A ele, das 8h às 17h, faz companhia apenas um traficante — esse último tem 60 anos, cuida sozinho da horta e precisa voltar à cela comum no fim da tarde. Nenhum outro detento divide o lote com o padre. O terreno de 800 metros quadrados tem muro baixo — sem arame e guarita —, uma grade na frente, com 1,60 de altura, sete quartos com cama, um banheiro, duas janelas e portas comuns, além de varanda.

Em razão de uma diabetes, o pedófilo não come a marmita servida aos demais presos. Uma beata prepara as suas três refeições. Faz questão de entregá-las ao religioso. “Faço isso com muito sacrifício. Não é fácil ver o padre Edson nessa situação”, comentou com o repórter, logo após deixar o almoço, na quarta-feira, a mulher de 63 anos, que pediu para não ter o nome publicado. O sacerdote usa a roupa que quiser. Uma vez por semana, sem enfrentar fila, ele é examinado no hospital municipal. Vai e volta no banco da frente do carro do sistema penitenciário. Nunca constataram nada de grave para a sua saúde.

O que diz a lei

Mudanças na tipificação

Antes de agosto de 2009, o Código Penal previa o crime de estupro no artigo 213 e o atentado violento ao pudor no artigo 214. Para cada um deles, a pena era de seis a 10 anos de reclusão. Com a mudança na lei, as duas condutas acabaram aglutinadas em um único artigo, com a seguinte redação e a mesma pena: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

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